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Sonho na terapia, tem valia?


Para a psicanálise, os sonhos são uma manifestação do inconsciente. Os sonhos representam um meio através do qual o conteúdo inconsciente pode se expressar, mesmo que o indivíduo não esteja consciente do que, tais expressões significam.

“Sonho interpretado quando o conteúdo for associado”

Carlos Renato

Os sonhos têm um significado simbólico que precisa ser interpretado para entender o que está sendo comunicado pelo inconsciente. Isso permite, portanto, que o indivíduo conheça melhor os seus desejos ocultos. Os sonhos, conforme Freud nos mostrou, são uma forma de realizar desejos que não podem ser satisfeitos na vida real. Por isso o sonho irá realizar um desejo inconsciente através de representações simbólicas e distorcidas dos eventos reais.

A livre associação tem grande importância na interpretação dos sonhos pois é usada para explorar os significados ocultos (ou latentes) dos símbolos manifestados no sonho. O indivíduo, portanto, é encorajado a falar livremente, sem censura ou julgamento, o que cada elemento do sonho venha a representar para si, independentemente do que pareça lógico ou racional.

Como exemplo, vamos imaginar que uma pessoa sonhou com avião. A pessoa seria convidada a falar livremente sobre todas as associações que ela tem com aviões como: sentimentos, experiências passadas ou crenças pessoais. O objetivo sempre será, portanto, auxiliar o indivíduo a encontrar o significado simbólico por trás do elemento do sonho que está sendo interpretado. Para melhor ilustrar a importância da livre associação na interpretação dos sonhos o Hermes, nosso personagem, quer nos contar dois exemplos. Vamos ao primeiro.

Um dia desses o Hermes estava na academia já na parte final dos seus exercícios físicos fazendo alongamento quando uma senhora de uns 65 anos, colega de academia, se aproximou e começou a contar um sonho que ela havia sonhado na sua última noite de sono. Essa senhora chamava-se Catarina, Dona Catarina. Ela parecia:

  • Bastante tranquila.
  • Contente com o sonho.
  • Curiosa com a história contada.
  • Aliviada em compartilhar o sonho.

Dona Catarina começou contando que estava em um grande supermercado da cidade em que vivem, mas o supermercado era muito maior do que o tamanho real, 10 vezes maior. Não tinha piso de cimento ou com qualquer outro tipo de revestimento sintético, era totalmente de chão batido, de terra, bastante empoeirado. O carrinho de compras que ela escolheu era muito grande, muito pesado e muito difícil de empurrar naquele piso com aspecto grosseiro. O supermercado não estava muito cheio, na verdade havia pouquíssimas pessoas, tanto que ela não encontrava ninguém para pedir informações sobre onde encontrar determinados produtos. Ela contou que os produtos eram vendidos a granel e estavam disponíveis em grandes sacos, do tamanho de homens. Nesses sacos, ela podia pegar a quantidade que ela precisava do produto que ali estivesse. Dona Catarina andou por todo o supermercado, porém, tinha muita dificuldade em encontrar a porta de saída. Só conseguiu chegar à porta da frente do estabelecimento comercial depois que estava com o carrinho bem cheio, muito mais pesado que no início das compras e somente depois que ela passou por todos os departamentos da loja. O relato do sonho da Dona Catarina acabou aqui.

Como é possível observar, o sonho relatado por Dona Catarina que o Hermes nos contou, é cheio de símbolos como: o supermercado, o chão empoeirado, o carrinho de compras pesado, a dificuldade em empurrar o carrinho, o tamanho dos sacos de comida, a dificuldade em encontrar a saída, o supermercado estar vazio, a dificuldade em encontrar produtos, os produtos serem vendidos a granel e as condições para encontrar a saída do supermercado.

Dona Catarina foi impelida a nos contar sonho dela por algum desejo oculto, talvez apenas o desejo de compartilhar o curioso sonho que, segundo ela, acontecia pelo duas vezes por ano, ou talvez, ela estaria pedindo ajuda para os colegas sem saber que o estava fazendo. O Hermes sentiu muita vontade de fazer várias perguntas para ela como: o que aconteceu no dia de ontem? Como a senhora se sentiu ao acordar? Qual parte do sonho mais deixou a senhora nervosa ou tensa? Alguma parte do sonho te fez sentir-se feliz e acolhida? E tantas outras perguntas conforme ela iniciasse a livre associação. O Hermes não fez porque não seria nem hora nem lugar, tão pouco era ele um psicanalista em sessão. Também, porque ele foi solicitado pela dona Catarina a somente ser um ouvinte de seu sonho, assim como todos os outros que estavam presentes naquela hora.

Seria possível ajudar a dona Catarina, sem que ela fizesse a livre associação, a tentar interpretar o significado do seu sonho? Acredito que não, pois seriam somente especulações e conjecturas genéricas. Como sabemos o significado de cada elemento do conteúdo do sonho é único, individual, subjetivo e está relacionado às experiências da pessoa que o sonhou. Em suma, não há como estabelecer uma interpretação universal para este sonho, ou qualquer outro sonho de qualquer outra pessoa. O sonho da dona Catarina somente serve para ela e somente poderá ser interpretado com a participação dela.

O segundo sonho que o Hermes quer contar foi um sonho que ele compartilhou com sua psicanalista em uma de suas sessões de psicanálise, um dia desses. O Hermes iniciou contando, que em seu sonho, ele estava em uma festa de casamento acompanhado de sua esposa e de seu enteado. A festa tinha vários convidados, uma longa mesa de bife com vários tipos de comidas. Também havia uma mesa com sobremesas. Hermes, sua esposa e o seu enteado sentaram-se bem próximos à mesa do bife nos lugares que para eles foram reservados. Estes lugares ficavam bem na ponta da mesa. Hermes acompanhou sua esposa que foi a primeira a se servir de comida japonesa, em seguida, ele se serviu de massas e carnes. Sentaram-se novamente à mesa um de frente para o outro, seu enteado sentou-se ao seu lado, e da mesma forma, estava servido de massas e carnes. De repente, um homem sentou-se ao lado de sua esposa, seria um tio ou primo dela que de pronto começou a resmungar, reclamar e deixar o ambiente muito desconfortável. Essa pessoa era um homem loiro, ninguém que o Hermes conhecesse ou já tivesse visto. Esse homem não tinha um nome. O clima foi ficando cada vez mais tenso entre o Hermes e o parente inconveniente, até que, se tornou hostil e os dois se provocaram para uma briga, para entrar em “vias de fato” como se diz por aí. Como em um duelo de filmes de faroeste, os dois se posicionaram cada um em uma extremidade da longa mesa, ficando de frente um para o outro, mesmo distantes em posição de alerta, pronto para reagir ao ataque um do outro. Porém, o Hermes decidiu conversar e se aproximou do parente de sua esposa que nessa altura já tinha dois outros homens ao seu lado, o apoiando. Hermes queria resolver conversando, no entanto, o parente inconveniente queria trocar socos. Sem argumentos, então, o Hermes disse: “- Você quer me bater então me dê um soco logo!” Do nada, o parente se tornou o ator de cinema Cuba Gooding Junior e desferiu o soco. Contudo, o soco foi fraco e não causou impacto. Por isso, o Hermes pediu que ele desse mais um soco e o ator atacou novamente. Porém, desta vez, o Hermes desviou do golpe e disse: “- Você é muito fraco, eu vou te mostrar como é um soco de verdade.” Hermes era bem mais alto que o seu desafiante, então, o segurou pelo colarinho e o acertou com um soco de cima para baixo, com toda a sua força, bem no olho esquerdo do ator o fazendo desmaiar. No instante em que o Hermes sentiu o impacto de seu punho cerrado no rosto do rosto de Cuba, o Hermes despertou e percebeu que estava com o punho cerrado e socado, literalmente, no seu travesseiro.

O sonho do Hermes, assim como o sonho da dona Catarina, é cheio de significados. Como estavam em sessão de psicanálise, a primeira pergunta que sua terapeuta fez, assim que ele terminou de contar o sonho, foi a seguinte: “- O que aconteceu no dia que você teve o sonho?” Hermes respondeu que havia participado de um churrasco com várias pessoas em um sítio de um amigo, o qual tem uma churrasqueira com uma mesa muito comprida.

A segunda pergunta feita pela terapeuta foi: “- Aconteceu alguma coisa contundente, marcante no churrasco?” “- Sim!” ele respondeu e completou: “- Aconteceu uma briga verbal bastante agressiva, forte, ofensiva e desagradável entre seu enteado de 14 anos de idade e um primo 8 anos mais velho. Esse primo é loiro e uma pessoa difícil de conviver.”

A próxima pergunta da analista foi: “- Você se identificou durante a briga com qual dos dois, com o seu enteado ou com o primo dele?” Hermes respondeu que se identificou com o seu enteado, pois quando o Hermes era criança sempre que havia algum encontro de família esse encontro acabava em alguma briga ou confusão e ele se sentia assustado, com medo e queria sair do lugar, se afastar para encerrar a confusão em andamento.

Em seguida a psicanalista perguntou: “- O que você fez?” O Hermes respondeu que se isolou, foi para longe da confusão, procurou um local mais calmo e que ele não se sentisse inseguro, mas que sua vontade era de ir lá e confrontar o primo de seu enteado. Ainda tentando interpretar os elementos do sonho, a psicanalista perguntou ao Hermes: “- Antes de dormir naquele dia, você assistiu a algum filme, série ou programa de TV?” Ele respondeu que não, mas que ele e sua esposa estavam, naquela noite, procurando filmes em um serviço de filmes e séries pela internet e que haviam selecionado para a lista de filmes a assistir o filme Mãos Talentosas, um excelente filme em que o ator Cuba Gooding Júnior faz o papel de protagonista.

A terapeuta perguntou para o Hermes como ele interpretaria o sonho após toda a conversa que tiveram durante a sessão. O Hermes respondeu assim: “Que ele, na verdade, tinha o desejo de dar um soco na cara do primo de seu enteado para acabar a confusão e retaliar todas as brigas que ele presenciou em sua infância nos encontros de família.”

A psicanalista sorriu em gesto de aprovação e disse: “- Com esse sonho, o seu desejo de acabar com as brigas e que estava recalcado desde a sua infância, foi realizado. Isto não irá mais te incomodar.”

No exemplo do segundo sonho, diferentemente do exemplo do sonho da dona Catarina, houve a livre associação. Por isso, foi possível ao Hermes e à sua terapeuta fracionarem o sonho de acordo com os símbolos mais relevantes e com a ajuda da perspicácia da analista, eles puderam associar os símbolos que estavam elaborados de forma dramatizada, com desdobramento, deslocamento e representação simbólica no sonho, para chegar a uma interpretação que tivesse algum sentido racional e afetivo para as experiências vividas pelo Hermes.

Na perspectiva da psicanálise, portanto, o processo de interpretação dos sonhos envolve sim a análise dos conteúdos manifestos e latentes do sonho com a associação feita pelo paciente e suas experiências únicas e subjetivas. Por isso, o sonho é interpretado quando o conteúdo for associado.

Carlos Renato


Neuropsicanalista

  1. Eu tenho muita curiosidade sobre o que os meus sonhos representam. Eu sonho muitoooo! E são muito reais. Me ajudem! :)

    1. Sonho é muito legal! Eu adoro sonhar. Parece que acordo no outro dia mais leve. Lendo esse artigo eu entendo o porquê! Muito legal, parabéns e obrigado por compartilhar.

      1. Eu sonho sempre e nunca lembro. Sonho sempre e acordo apavorado duas ou três vezes por noite. O que será?