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A ansiedade e o ansioso.


No ano de 2018, uma pesquisa da “Health Service Monitor – (HSM) ” divulgou que 18% dos brasileiros apresentavam alguma inquietude em relação à depressão ou ansiedade. Em 2022, o levantamento da HSM mostrou um aumento de 272%, revelando que o número de pessoas com algum tipo de transtorno associado à ansiedade chegou a 49% das pessoas (Fonte: BBC News, 11/10/2022).

“A ansiedade e a autocobrança para um ansioso que não se gosta.”

Carlos Renato

Os dados, apresentados acima, nos mostram que as doenças que surgem como resultado de um conflito mental afetam a vida cotidiana das pessoas. Como bem disse Freud, por mais que todos nós, independentemente da cultura que nos inserimos, possuímos algum grau de ansiedade, algo natural, inato e biológico que nos é de grande propósito quando nos encontramos em alguma situação de risco que poderia colocar em perigo a nossa sobrevivência.

Quando Freud classificou a ansiedade em realística, neurótica ou moral, deixou claro que está com uma doença do aparelho psíquico está relacionada à forma com que cada indivíduo trabalha suas expectativas. Os medos e os perigos reais do mundo exterior à mente, ou o medo inconsciente no qual não se sabe qual é o objeto que causa ansiedade, ou ainda, a ansiedade causada por questões oriundas da moralidade, do superego do sujeito, que o faz sentir medo da punição ou o faz sentir culpa por causa do que estimula sua libido.

MFreud nos ensinou que o ego de um indivíduo ansioso tende a desenvolver um mecanismo de defesa contra a ansiedade, que consome muita energia psíquica que pode afetar a vida do sujeito em sociedade, vida íntima ou relações no trabalho. Afetar, significa levar o sujeito até a se incapacitar intelectualmente, impedindo que a pessoa desenvolva seu potencial intelectual. Cabe aqui dizer que pessoas que tem sintomas ansiosos em excesso, em níveis muito altos, sofrem, sofrem de uma dor psíquica de origem desconhecida e que é mensurável apenas pelo indivíduo que sente. Uma pessoa ansiosa sofre muito e necessita de ajuda.

Ansiedade tem relação com a antecipação de acontecimentos futuros que podem ou não vir a acontecer. Pode ser antecipação de algo bom ou de algo ruim, na perspectiva de quem sente, de quem antecipa. Uma pessoa ansiosa não tem tempo para o agora, para o presente. Os pensamentos destes indivíduos nunca estão aqui agora, no momento presente, mas sim distantes, presos a uma preocupação injustificada, excessiva e até, infelizmente, incontroláveis para muitos. Um dos sintomas que acompanha uma crise de ansiedade, ou convive com o ansioso diariamente, é:

  • a auto cobrança devido à preocupação excessiva e os medos excessivos, mesmo que irracionais aos olhos de terceiros.
  • A auto cobrança é um comportamento que todos devemos ter, é fantástico, mas não em excesso.
  • Se a auto cobrança é excessiva a autoestima é baixa, são comportamentos opostos.
  • O ideal sempre será o equilíbrio entre esses comportamentos de autoavaliação.

Em uma de suas sessões com a sua terapeuta, o Hermes levantou uma questão que dizia mais ou menos assim: “- Por que eu não me gosto e tenho dificuldade de valorizar minhas conquistas e meus pontos fortes? ” Essa pergunta os levou a uma ótima reflexão e uma ótima investigação que fez sua analista lhe fazer a seguinte pergunta: “- Hermes, você consegue lembrar a partir de quando você passou a perceber que nada do que você faz é suficiente? ” Após um momento de pausa e livre de resistência, o Hermes levantou três situações. Todas de sua vida adulta.

A primeira situação foi logo após ele colar grau e finalizar seu curso universitário no ano de 2003. Após sua formatura o Hermes foi convidado a tornar-se professor na mesma universidade e no mesmo curso de graduação o qual ele acabara de se formar. Dito isso, ele relatou o seguinte: “- Sempre que nós professores tínhamos reuniões pedagógicas ou algo do tipo, eu me sentia deslocado, eu não ficava à vontade. Olhava para os outros colegas e não me sentia bom o suficiente para estar naquela posição. As roupas dos colegas me incomodavam, os carros deles eram melhores que o meu, assim como a aparência e a imponência dos colegas. Tudo me depreciava. ” Isso fazia com que ele ficasse muito ansioso.

A segunda situação foi quando o Hermes co-fundou uma empresa de desenvolvimento de software no ano de 2010. O pensamento dele e de seu sócio era apenas um: “- Vamos ficar milionários! ” Em seus pensamentos não havia espaço para a possibilidade de apenas ficarem ricos, ou muito bem de vida, ou apenas ganhar o suficiente para sobreviver daquele labor, ou ainda, do negócio falir. Isso gerou uma imensa expectativa. Os esforços eram grandes, o Hermes trabalhava de 60 a 70 horas por semana, faziam cursos, se atualizavam, buscavam clientes em várias cidades nos 3 estados do sul do Brasil. Isso fazia com que ele ficasse muito ansioso. Ao final deste ciclo, o esforço tinha sido imenso e o resultado acabou sendo a venda da empresa, algo que não passava na cabeça do Hermes.

Na última situação, em 2016, o Hermes descobrir que sua companheira estava sendo infiel em seu relacionamento. Infiel no que diz respeito a outro parceiro sexual e afetivo, infiel a tudo que ele fazia para dar uma vida confortável para os três, como por exemplo, trabalhar até 70h por semana. Os três seriam: Hermes, sua companheira na época e o filho dela. Hermes sentiu que a culpa era dele, por ele ter sido trocado por outro homem, pois tudo que ele fazia por ela e pelo filho dela não foi o suficiente para que ela escolhesse ficar com ele. Por mais insensato que isso seja, e quem traiu não tenha sido ele, isso fazia com que ele ficasse muito ansioso.

Após narrar estas três situações, sua terapeuta interveio perguntando: “- O que você consegue perceber que há em comum nestes três casos que você narrou? ” Após alguma reflexão, o Hermes levantou o seguinte: “- Perfeccionismo, dificuldade de lidar com frustração, comportamento controlador (as coisas tinham que ser do meu jeito), auto cobrança em excesso e consequentemente autoestima baixa. ” Todos os sentimentos se direcionavam ao aspecto de inferioridade.

“- Certo! “, disse a terapeuta e completou: “- Agora você precisa encontrar o que pode ter lhe causado este sentimento de inferioridade que te deixa tão ansioso e confrontar essa memória recalcada para que assim você possa fazer a ressignificação. ” Continuou ainda: “- Note que nestas três situações você se colocou em uma posição de fazer, fazer e fazer, porém, nunca parecia estar suficiente. O que te leva a sentir-se insuficiente em tudo o que faz.“

O Hermes ficou imóvel na poltrona com a mão no queixo, dirigiu seus pensamentos para buscar em seu interior o que poderia leva-lo à memória vivenciada e recalcada. Pouco tempo de silêncio depois, ele recuperou e contou a seguinte situação: “- Esta memória é algo que me incomoda a algum tempo e acredito que possa estar relacionada ao fato de eu não me gostar. ” Tudo volta a período de sua vida do ano de 1986 a 1993, da pré-escola ao 8º ano do ginásio (hoje 9º ano do ensino fundamental II).

Hermes contou que sua origem é de uma família financeiramente pobre. Mesmo assim, sua mãe prezava por sua educação escolar e queria que ele estudasse em uma escola particular. Com muito esforço de seu pai, sua mãe, de suas duas irmãs mais velhas que já trabalhavam na época e bolsas de estudo e descontos o Hermes cursou os 9 aos do ensino básico no colégio em questão.

O Hermes tinha uma boa aparência física, tirava notas excelentes e era muito bom nas práticas esportivas relacionadas ao atletismo, basquete e futsal. Até prêmio em feira de ciências ele ganhou. Nada mal hein? Sua condição financeira não afetava seu desempenho, contudo, ele ainda não era um igual, não importa o que fizesse e quanto se esforçasse. Continuaria sendo um pobre em um colégio de ricos. Continuaria usando tênis Conga ou Kichute, enquanto seus colegas estavam usando tênis Nike ou Adidas. Continuaria usando uniforme com os joelhos remendados ou um pouco curtos por ser do ano anterior, enquanto seus colegas usavam sempre uniformes novos.

O impacto social, cultural e econômico que cercavam as vivências do Hermes quando criança foram muito impactantes em sua formação e trouxeram reflexos para a sua vida adulta.

Após a narrativa do Hermes, a terapeuta disse: “Agora você precisa confrontar e ressignificar essa memória. ” Na sequência perguntou: “- O que você precisa fazer para melhorar sua convivência consigo mesmo e diminuir os sintomas afetivos excessivos de sua ansiedade? ”

O Hermes pensou um pouco e respondeu: “- Eu preciso valorizar minhas conquistas, quaisquer que sejam e também, eu preciso valorizar meus pontos fortes e não fugir do que me causa aflição. Preciso enfrentar e resolver as coisas o quanto antes e me perdoar por situações que não podem ser mudadas por terem acontecido no passado. ”

Agora, para o Hermes resta o processo de adaptação à nova dinâmica de sua psique que se criará após a ressignificação dos afetos. Desta forma, ele terá a possibilidade de viver de forma mais confortável com a vida que conquistou. Cabe a ele deixar cada problema para ser abordado ao seu tempo e viver mais o hoje do que especular cenários absurdos, em que tudo possa dar errado e o deixar mais ansioso.

Hermes havia sido diagnosticado, por um psiquiatra, com Transtorno de Ansiedade Generalizado (TAG), CID-10 F41.1 no ano de 2022. Ele demorou tempo demais para procurar ajuda. Demorou ao menos, por volta de 30 anos de sofrimento com quadros ansiosos.

Carlos Renato


Neuropsicanalista

  1. Acabei de ler a minha autobiografia! Triste :´(

    1. Eu passei por isso. Hoje estou muitooo melhor graças à terapia.

      1. A ansiedade é realmente muito incapacitante. Senti isso na pele, mas graças a psicanálise me resolvi a este respeito. Por favor, pare de sofrer, procure ajuda!